Os pagamentos de salários de servidores públicos estão sendo regularizados nos Estados que registravam atrasos, mas isso não significa que o imbróglio envolvendo o crédito consignado esteja resolvido. Segundo o Valor apurou, Estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul estão debitando as parcelas dos empréstimos feitos com desconto em folha, mas não repassam os recursos para os bancos que concederam o crédito nem os avisam do problema. Entre mandar ou não os nomes de servidores aos cadastros de inadimplentes, a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), representante dos bancos médios, elevou o tom e admite que há associados cobrando diretamente os servidores e enviando os respectivos nomes para os serviços de proteção ao crédito - o que os advogados contestam.

O problema é amplo e atinge não só bancos pequenos e médios, mas também os grandes. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) confirma que Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul não estão nem repassando o consignado para o banco nem avisando a instituição financeira. Outros Estados estariam admitindo os problemas com o repasse, mas se posicionariam mais abertos à negociação.

No Rio de Janeiro, somente em maio, o valor total das parcelas de crédito consignado descontadas dos servidores a ser repassado aos bancos foi de R$ 246 milhões. Um executivo a par das conversas afirma que as parcelas em atraso no Estado somam cerca de R$ 500 milhões. O Bradesco detém a folha de pagamento do Estado, que já foi do Itaú. O tamanho total do convênio com o Estado é estimado em R$ 8 bilhões, daí a preocupação com os eventuais desdobramentos da situação.

No Rio Grande do Sul, 75% das consignações em folha estão com o Banrisul e o restante, com bancos como o Banco do Brasil. Segundo a Fazenda do Estado, por mês há R$ 130 milhões em consignação bancária. No Estado há relatos de servidores que buscaram renovar o consignado em bancos como a Caixa Econômica Federal e tiveram o pedido negado porque o Estado havia deixado de fazer o repasse ao banco.

Para os servidores públicos, o imbróglio pode impor obstáculos a uma das fontes de crédito mais baratas disponíveis, em um cenário econômico já bastante ruim de alta da inadimplência. Embora os bancos maiores digam que estão tendo cuidado para não prejudicar os tomadores, a ABBC afirma que a maioria dos associados suspendeu totalmente as concessões de novos créditos aos servidores de Estados como Rio, Tocantins e Amapá, além de municípios como Goiânia e Macapá.

Muitos Estados enfrentam dificuldades para fazer esse repasse, mas nem todos lidam com o problema da mesma forma. Há os que admitem o atraso e estão negociando a dívida com os bancos e há aqueles que não estão repassando o dinheiro aos bancos nem os avisando. No segundo caso, os bancos não desistiram de acordos, mas têm alertado os órgãos fiscalizadores, como os tribunais de contas.

Alex Sander Gonçalves, diretor de crédito consignado da ABBC, diz que a associação tem participado de reuniões com entes públicos, mas que alguns associados já avaliam ingressar com uma ação criminal por peculato contra os gestores, aproveitando inclusive a jurisprudência de caso análogo julgado recentemente pelo STF, que resultou na condenação do ex-prefeito de Macapá.

A secretaria da Fazenda do Rio alega que os salários dos servidores ativos, inativos e pensionistas estão em dia. Na última quinta, foram pagos os salários relativos a junho. Quanto aos atrasos no pagamento dos consignados, o governo ressalta que eles foram provocados pelos arrestos nas contas do Estado, que, somente em abril, ultrapassaram R$ 760 milhões. A Fazenda diz, no entanto, que as negociações com os bancos já ocorreram e os pagamentos estão sendo regularizados, conforme foi combinado com as instituições.

Já o Planejamento do Rio informa que há hoje 236 mil servidores ativos, inativos e pensionistas que possuem contratos de crédito consignado com bancos, de um total de 519,7 mil vínculos. Segundo o Planejamento, mesmo quando há parcelamento, a folha de salários formada é líquida do valor do consignado e outras obrigações, e que a responsabilidade do repasse aos bancos é da secretaria da Fazenda.

O governo gaúcho admite que vinha atrasando os salários desde fevereiro, mas diz que regularizou a situação. Os salários de junho foram pagos na última terça, dia 12.

Quando não há atrasos, diz a Fazenda, a consignação em folha é paga em até dez dias do mês subsequente. Em meio aos atrasos, os primeiros recursos a entrar no caixa do governo após a folha de pagamento ser honrada vão para os repasses aos bancos. Segundo a Fazenda, foram liberados R$ 127 milhões na última sexta para o consignado, colocando em dia as obrigações do Estado. "Estamos rigorosamente em dia", diz o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto.

Os bancos se dividem sobre tomar ou não medidas contra os servidores que têm créditos para os quais não foram feitos os repasses. Aracéli Rodrigues, responsável pela filial Rio do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues, especializado em direito dos servidores, diz que o prejuízo não pode ser atribuído ao servidor. "Temos precedentes na Justiça do Trabalho com empresas privadas em que é reconhecido o dano moral quando o nome é negativado sem culpa do trabalhador", diz Aracéli. Segundo ela, a Lei 10.820 de 2003 diz que, no consignado, em princípio, a relação é entre servidor e banco. Na falta de repasse, porém, há a previsão legal de que o Estado responde.